quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Wisława Szymborska (2/7/1923 - 1/2/2012)

A poeta Wisława Szymborska morreu ontem aos 89 anos. Ficámos todos mais pobres.

Como disse Miłosz, "a dimensão da sua poesia é pessoal, a de alguém que reflecte sobre a condição humana". Da sua obra poética, estão disponíveis em português três livros: Instante (2006), traduzido por Elżbieta Milewska e Sérgio Neves; a coletânea Paisagem com Grão de Areia (1998), traduzida por Júlio Sousa Gomes. Ambos os livros publicados pela Relógio D'Água. E ainda metade da coletânea Alguns Gostam de Poesia (2004), partilhada com Czesław Miłosz. Edição da Cavalo de Ferro.

Fiquemos um instante ainda com ela:

"Instante"

Vou pela ladeira da colina verdejante.
Erva, florinhas na erva,
como nas gravuras para crianças.
O céu enevoado, a ficar azul.
A vista para as outras colinas propaga-se no silêncio.

Como se por aqui não tivesse havido nenhuns câmbricos, silúricos,
rochas rosnando umas às outras,
abismos sublevados,
nenhumas noites em chamas
nem dias em baforadas de trevas.

Como se por aqui não se tivessem deslocado planícies
em febris delírios
e gélidos calafrios.

Como se somente em outro lugar se tivessem revoltado os mares
e se rompessem as orlas dos horizontes.

São nove e trinta, hora local.
Tudo no seu lugar e em impecável concórdia.
No vale, a pequena ribeira na qualidade de pequena ribeira.
A vereda sob a forma de vereda desde sempre e para sempre.
O bosque sob o pretexto de bosque por toda a eternidade, ámen.
No alto, os pássaros no papel de pássaros em voo.

Até onde a vista alcança, reina o instante.
Um desses instantes terrenos
aos quais se pede que perdurem.

Em Instante (2006). Tradução de Elżbieta Milewska e Sérgio Neves.